Romance clássico, best-seller nacional, Ciranda de pedra teve adaptação para TV em 1981
e revelou Lygia Fagundes Telles como uma das mais representativas expressões
da moderna ficção brasileira.
Enredo
O livro, que basicamente conta a história de Virgínia, estabelece em duas etapas, o trajeto cheio
de conflitos da vida da menina, desde a infância até os vinte anos de idade.
Virgínia tem uma infância solitária; filha de um casal separado, é obrigada a dividir-se entre
dois ambientes familiares que contrastam radicalmente: Laura e Natércio.
Virgínia vive com Laura, sua mãe, separada do marido, Natércio - advogado convencional,
severo, seco de gestos e de afeto. Sua infância é marcada pela tristeza e solidão.
Quando da separação, Laura foi viver em casa de Daniel, seu antigo médico, levando
consigo Virgínia.
Em casa de Daniel, Laura conta com Luciana, empregada antiga e dedicada, para os cuidados
tanto do dia-a-dia doméstico, quanto para com Virgínia, que é ainda muito jovem.
Luciana exerce grande influência no espírito da menina. Laura, já muito doente, tem seu estado
de saúde agravado, apesar de todos os cuidados e desvelo que Daniel concede a ela, inclusive recorrendo a todos os seus recursos financeiros para as despesas de saúde que exigem o estado
de sua querida paciente. Sendo assim, a infância de Virgínia é marcada por grandes dificuldades:
de um lado, as financeiras que não permitem à menina realizar pequenos desejos e sonhos
(trocar a mobília, por exemplo), posto que todos os recursos de Daniel são voltados
principalmente para os cuidados com sua mãe; de outro lado, a solidão em que vive e o
profundo sentimento de rejeição pois ela não se sente aceita sequer na casa de Natércio por
ocasião das visitas semanais que lhe faz.
Estes sentimentos e conflitos nos são apresentados quando vamos conhecendo detalhes como o
fato de Virgínia possuir duas irmãs, Bruna e Otávia que vivem em companhia do pai, Natércio, advogado conceituado que desfruta de bons recursos econômicos, conseqüentemente vivendo
estas últimas em condições (econômicas) mais confortáveis que Virgínia (que, entre outras coisas, usa roupas reformadas da mãe, ou das irmãs, bem como os móveis de seu quarto, que são
"sobras" do quarto reformado de Otávia).
Seu sofrimento e amargura se afloram tanto mais quando de suas visitas à casa de Natércio,
muito grande e bonita, com vasto jardim onde existe uma ciranda de anões de pedra com uma
fonte, local que ela costuma com freqüência visitar. Mas, apesar da ciranda de
anões que ela ama, Virgínia sente-se muito desconfortável na presença das irmãs que a hostilizam e nas quais ela só vê qualidades, enquanto que ela, Virgínia,
ao seu modo de ver, só tem defeitos. Sente-se desconfortável também por não conseguir de Natércio, gestos de carinho e afeto de que ela tanto necessita e
que ele não oferece, posto que é um homem muito convencional e severo.
Angústia e solidão. São estes os sentimentos que Virgínia conhece quer na casa de Natércio
quer na casa de Daniel. Nesta última, a menina não pode sequer aproximar-se da mãe pois
esta tem raros momentos de lucidez e encontra-se em estado físico e mental bastante precários.
Distante também é seu relacionamento com Daniel, com quem até hesita em alguns momentos,
entre o desejo de ter alguma atitude mais afetuosa, porém recuando sempre, na dúvida de
como seria recebido seu gesto.
O sonho de Virgínia, nessa época, se resume entre o desejo de ir morar com o pai e as
irmãs, e, o que seria a realização máxima, a recuperação de sua mãe com o conseqüente retorno
das duas para aquela casa e a família novamente reunida. Porém, o estado de saúde de Laura se agrava, fazendo com que Virgínia realize parte de seu sonho: ela volta a morar naquela casa, passando a conviver com as irmãs, Bruna e Otávia, com Fraulein Herta (a governanta), e os
amigos Conrado (por quem é apaixonada), Letícia (irmã de Conrado) e Afonso.
No momento em que Virgínia volta a morar naquela casa, ela se dá conta de que aquele
ambiente familiar com o qual ela sonhava, era uma ilusão. Sentindo-se rejeitada pelas irmãs que criticam a mãe por ter-se separado do pai, e sem receber de Natércio o afeto, apoio e carinho
que esperava, a menina percebe que não há lugar para ela nesse fechado círculo. Compara a
ciranda de anões de pedra do jardim, que era sua paixão, com o grupo tão fechado formado
por Bruna, Otávia, Afonso, Letícia e Conrado.
É nesse conflito de sensações que, duas semanas após a sua chegada àquela casa, Virgínia
recebe a notícia da morte da mãe, seguida do suicídio de Daniel. É também nessa circunstância
que Luciana (que era apaixonada por Daniel), num momento de profunda dor, revela à menina, durante uma visita, que Daniel era seu verdadeiro pai. Sente-se, então, mais sozinha do que
nunca e, dando-se conta que jamais seria aceita no grupo, da maneira que desejava, pede a
Natércio que a interne no colégio, pedido este que é por ele aceito.
A segunda parte do romance tem início com uma Virgínia já adulta deixando o colégio e
voltando para a casa de Natércio. Acreditando que já havia superado todas as suas angústias
chega àquela casa, mas não demora a perceber que o grupo continua fechado: uma ciranda de
pedra mais rígida que nunca. Bruna, ainda mais moralista, havia se casado com Afonso. Otávia, alienada, dedicava-se à pintura e a alguns amantes ocasionais. Natércio, envelhecido, já não trabalhava mais. Frau Herta estava doente, só e abandonada em um cômodo sujo e pobre de um bairro afastado. Letícia, agora, dedicava-se ao esporte: uma tenista premiada e que se
interessava apenas por mulheres. Por fim, Conrado, seu grande amor de infância, amor que
ardia ainda em seu coração, vivia isolado, recuado, com sérios problemas sexuais.
O retorno de Virgínia ao convívio com o círculo familiar reabriu-lhe as antigas feridas.
Mas é neste momento também que ela percebe a real face de cada componente da ciranda, suas fraquezas, suas amarguras. Cada máscara se rompe. Ela se dá conta do que, na verdade, se
escondia por trás daquela hostilidade e rejeição: ela era desejada por todos ao mesmo tempo e,
por isso, temida. Aos poucos, então, vai-se apresentando uma Virgínia mais amadurecida e forte, independente e segura. Ela abandona, por fim, as tentativas de sua entrada nesse círculo fechado, decidindo-se por uma longa viagem, sem perspectiva de volta. Não mais a ciranda de pedra, não mais o desejado jardim, não mais os sonhos. Nem mesmo Conrado. Tudo havia ficado no passado. Mas, como uma rocha, em suas lembranças estaria gravado. "...um dia, um besouro caiu de costas.
E besouro que cai de costas não se levanta nunca mais".